Imagine uma cidade onde se pode circular livremente — sem catracas, sem barreiras, sem a culpa de contar moedas no fundo do bolso. Onde o transporte público é visto não como despesa, mas como investimento em dignidade, saúde e liberdade. Essa ideia, que durante décadas soou como utopia, hoje volta com força ao centro do debate: a Tarifa Zero.
No episódio desta semana do Podcast do Transporte, a proposta que um dia foi chamada de “radical” é revisitada à luz de um novo cenário político. Prefeituras de diferentes partidos já começam a testar o modelo, e o governo federal acompanha de perto os resultados. Para Lúcio Gregori, ex-secretário de Transportes da gestão Luiza Erundina em São Paulo, a Tarifa Zero é mais do que uma política de mobilidade — é uma proposta sobre justiça social e distribuição de riqueza. “Trata-se de decidir quem paga e quem se beneficia da cidade”, resume. Já Ailton Brasiliense, presidente da ANTP, aponta os caminhos técnicos e financeiros que podem tornar o sonho possível: “é viável — desde que tenhamos coragem de mudar prioridades”.
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Transporte que cuida de corpos e mentes
Mas a Tarifa Zero não fala apenas de economia. Fala de gente.
Daniel Santini, da Fundação Rosa Luxemburgo, amplia o olhar: “Transporte não é só deslocamento para o trabalho — é também saúde mental, lazer, tempo de qualidade”. Ele defende uma mobilidade que seja divertida, leve e intermodal, capaz de integrar ônibus, metrôs, bicicletas e caminhadas. Para ele, cidades mais humanas nascem quando o transporte se torna parte da vida, e não um fardo diário. O alerta é urgente: mesmo após a pandemia, o transporte público segue perdendo passageiros — e cada assento vazio representa menos vitalidade urbana e mais desigualdade social.
Quando o transporte é feito por e para quem cuida
Nas cidades brasileiras, a mobilidade ainda tem gênero.
A socióloga Clareana Cunha, do Instituto Pólis, lembra que o sistema foi desenhado pensando no homem provedor — e esqueceu as trajetórias de quem cuida. “As mulheres fazem a maioria das viagens de cuidado: levam filhos à escola, acompanham idosos, resolvem tarefas do dia a dia. E muitas dessas viagens são a pé”, explica. Em São Paulo, 62% dessas viagens são feitas por mulheres — mais da metade sem acesso a um veículo. Clareana propõe cidades feministas, onde o transporte público reconheça e valorize o trabalho invisível que sustenta o cotidiano urbano.
Tarifa Zero como política de saúde e igualdade
A Arena ANTP dedicará uma mesa especial para discutir a Tarifa Zero sob duas perspectivas poderosas: saúde pública e trabalho de cuidados. Mediado por Daniel Santini, o debate reunirá Letícia Cardoso (Ministério da Saúde), Kelly Cristina Augusto (GIZ), Lorena Freitas (ITDP) e Clareana Cunha (Instituto Pólis). A proposta é clara: mostrar como o transporte gratuito pode ser uma política de prevenção, de acesso à saúde e de reconstrução das cidades sob uma ótica mais justa e inclusiva.
O futuro elétrico que já está chegando
Enquanto o Brasil discute tarifas, o mundo se prepara para uma revolução silenciosa nas garagens. Na Busworld 2025, em Bruxelas, o jornalista Adamo Bazani traz o retrato do que vem pela frente: ônibus elétricos, infraestrutura inteligente e gestão de energia em tempo real. Alexandre Nogueira e Walter Barbosa, executivos da Mercedes-Benz, revelam que a transição para a eletromobilidade exige muito mais do que trocar motores — pede novas formas de pensar a cidade e o transporte. Do veículo à bateria, da garagem à gestão de frota, a mudança está em curso.
Um novo jeito de viajar pelo Brasil
A inovação também chega às rodovias. A plataforma multimodal OMIO, com mais de um bilhão de usuários no mundo, acaba de desembarcar no Brasil. Segundo Vitor Lalor, diretor da empresa, o país tem um potencial gigantesco no turismo doméstico e na integração entre o transporte rodoviário e o aéreo. Com presença em 95% das rotas nacionais e parceria com 300 viações, a OMIO quer facilitar o acesso de brasileiros e estrangeiros às nossas estradas — e transformar o modo como viajamos pelo país.
Quem voa e quem roda: a provocação final
No editorial que encerra o episódio, Alexandre Pelegi lança uma reflexão que ecoa: “Comparar avião e ônibus só faz sentido se todos tivessem a mesma escolha.”
Os dados da PNAD Turismo 2024 mostram que, entre os mais pobres, o ônibus ainda é o principal meio de transporte — o elo que liga o Brasil real. Já entre os mais ricos, o avião domina o mapa. Mesmo com estradas precárias e concorrência desleal, o ônibus segue sendo o único que garante gratuidade a quem mais precisa.
Pelegi conclui: em um país tão desigual, o ônibus não é apenas um veículo. É o caminho que mantém o Brasil inteiro em movimento.
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Uma produção do Diário do Transporte, Technibus/OTM Editora e ANTP.
Editor geral: Alexandre Pelegi
Patrocínio: Arena ANTP e Abrati.
Apoio: Mercedes-Benz Ônibus, Transdata e Prodata Mobility Brasil.
Produção: Toda Onda